quinta-feira, 19 de maio de 2016

Será que a alma pesa 21 gramas?

Este mito foi reforçado por um filme de ficção de 2003 chamado “21 Gramas”, ocasionalmente produzido para não-sobrenaturalistas como mais uma “prova” de que somos tolos, por causa dos nossos próprios padrões de razão e evidência.
Acontece que a única fonte usada no filme “21 Gramas” é um desacreditado estudo realizado no ano de 1907 em Haverhill, Massachusetts, por um médico conhecido pelo nome de Duncan MacDougall. Ele conseguiu (aparentemente superar qualquer escrúpulo ético sobre a experimentação humana) colocar seis pessoas que estavam morrendo em uma cama equipada com molas sensíveis, e afirmou ter observado uma perda súbita de peso – cerca de ¾ de uma onça – no exato momento de sua morte. Tendo argumentado que essa perda não poderia ser explicada por movimentos intestinais ou evaporação, ele concluiu que havia conseguido medir o peso da alma. Um experimento de acompanhamento mostrou que os cães (que eram saudáveis, e depois envenenados propositalmente pelo “bom” médico) não sofreram o mesmo tipo de perda, portanto, eles não teriam alma.
Este é um excelente exemplo de como a pseudociência e a crença (não fundamentada criticamente) nos levam a uma variedade de conclusões absurdas. Vamos começar com a alegação de MacDougall em si: acontece que os seus dados foram mostrados decididamente não confiáveis por qualquer padrão científico decente. O experimento nunca foi repetido (por MaDougall ou qualquer outra pessoa), mas as suas próprias notas (publicadas na American Medicine em março de 1907) mostraram que dos seis resultados de dados, dois tiveram que ser descartados como “sem valor”; dois registraram uma queda de peso, seguida de perdas adicionais mais tarde (era a alma deixando o corpo pouco a pouco?); um mostrou uma reversão da perda e, em seguida, uma outra perda (a alma não poderia entrar, sair e reentrar novamente); e apenas um caso realmente constitui a base da estimativa lendária de ¾ de uma onça. Com dados como estes, é um milagre que o paper foi publicado em primeiro lugar.
Em segundo lugar, como foi apontado imediatamente pelo Dr. Augustus P. Clarke em uma refutação também publicada na American Medicine, MacDougall deixou de considerar uma outra hipótese óbvia: que a perda de peso (supondo que era real) foi devida a evaporação causada pelo aumento súbito na temperatura corporal, que ocorre quando a circulação do sangue para e o sangue não pode ser refrigerado a ar pelos pulmões. Isto também explica elegantemente por que os cães não mostraram perda de peso: como é sabido, eles se refrigeram pela respiração ofegante, pois eles não suam como os humanos.
Em terceiro lugar, a conclusão inescapável de MacDougall (“De que outra maneira vamos explicar isso?”) não deriva de qualquer teoria da alma, ele simplesmente conclui excluindo um pequeno número de outras possibilidades mais prováveis. Em outras palavras, a “explicação” da alma venceu por padrão, sem ter que passar pelo processo oneroso de confirmação positiva. Esta é apenas mais uma versão do argumento “Deus-das-Lacunas”, tão aceita entre os seus fiéis e que constitui a espinha dorsal – tal como é – da “Teoria” do Design Inteligente.
Mas talvez o mais contundente de tudo é a própria ideia de que a alma tem peso. Seja o que for, a alma desde a época de Platão tem sido entendida como imaterial, ou seja, sem massa e, portanto, sem peso. Obviamente, isto por sua vez eleva todos os problemas clássicos do dualismo: como algo imaterial pode interagir com um mundo material? Como fantasmas podem atravessar paredes e ainda “ver” coisas ou fazer ruídos? Como pode a mente dirigir nossas ações – aquele famoso dilema que frustrou Descartes – se ela é uma “substância” incorpórea (em si é uma contradição)?
Ainda mais, basicamente: por que os chamados “fieis” perenemente buscam confirmação científica de suas futilidades? A fé não deveria ser o suficiente? Na verdade, não é a própria ideia de fé como um valor que deve ter se apegado a ele, não só, apesar da falta de provas, mas o que intriga é continuar insistindo no erro mediante a constatação de evidências contrárias, por que? Vamos lá pessoal, eu estou começando a achar que em algum lugar no seu subconsciente, você tem essa suspeita terrível de realmente acreditar nessas besteiras e, portanto, estariam desesperados para a ciência fornecer algum tipo de evidência, no entanto frágil, de que você está certo, afinal de contas. Por que não lançar a superstição por completo e ver o que acontece? Afinal, é um mundo agradável e compreensível aqui fora.

Massimo Pigliucci, Filósofo da Biologia

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